O próprio relator do texto já precifica novas trocas visando maioria contra o seu parecer. Para Pastor Eurico, também é esperado que os opositores usem outras estratégias para obstruir e impedir a aprovação, como a apresentação de requerimentos para retirada de pauta: “É um jogo de interesse e tudo bem”, reconheceu em entrevista ao site da Jovem Pan. “De hoje para amanhã muitas pessoas podem ser trocadas na comissão. É um jogo de interesse e tudo bem. Cabe a cada um fazer o seu trabalho. Estamos tranquilos”, mencionou o deputado, que considera a realização da votação na Casa mais importante que o resultado em si. “Amanhã ninguém vai poder dizer que a Câmara ou o Congresso não legislou, fizemos a nossa parte. É como o caso das drogas, o STF vai julgar. É problema do STF, que caia sobre eles responsabilidade, porque nós já legislamos [contra a descriminalização das drogas para consumo pessoal]”, completou.
Contrário ao reconhecimento do casamento homoafetivo, o deputado Pastor Eurico argumenta que a Constituição classifica o casamento como uma instituição entre “homem e mulher”. Trecho de seu relatório cita, inclusive, que a Carta Magna brasileira, de 1988, estabelece que “a família, base da sociedade, com especial proteção do Estado, reconhece a união estável como entidade familiar apenas entre homem e mulher”. Ou seja: “qualquer lei ou norma que preveja união estável ou casamento homoafetivos representa afronta direta à literalidade do texto constitucional”. O texto do parlamentar do PL também critica o “ativismo judicial” do STF (Supremo Tribunal Federal) e acusa a instituição de usurpar o Poder Legislativo ao receber em 2011, por unanimidade, a união homoafetiva. Como o site da Jovem Pan mostrou, embora o casamento entre pessoas LGBT+ não seja assegurado por lei, a decisão da Suprema Corte garante que os casais homoafetivos têm os mesmos direitos e deveres que os casais heterossexuais, enquanto o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), em 2013, passou a obrigar, por meio da Resolução Nº 175/2013, que todos os cartórios do país habilitassem e celebrassem o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero. Assim, conforme a decisão do STF, o CNJ proíbe que as autoridades competentes se recusem a registrarem as uniões LGBT+. Contudo, ocorre que união estável e casamento não são sinônimos, como explica o relator.
“O relatório está em cima do que está na Constituição: casamento reconhecido na Constituição, hoje, é entre homem e mulher. Quanto aos direitos civis de pessoas que vivem junto é outra coisa. A junção, a convivência homoafetiva não é proibida. Você faz o que quiser na sua vida. O grande problema é legislação. União estável já está garantida pela interpretação do Judiciário. Mas união estável não é casamento, nem entre héteros. Essa é a diferença. A nossa lei diz que o casamento reconhecido é de homem e mulher”, pondera o deputado, que rebate as acusações de que o texto represente um retrocesso a direitos: “Eu nem posso acabar com direitos adquiridos, porque a legislação não pode retroagir para prejudicar. Só que as pessoas levam para o casamento. O casamento homossexual não está na Constituição, ele foi baseado na união homoafetiva para reconhecimento dos direitos civis”, completou. Na visão do deputado Pastor Eurico, para que “a instituição casamento” seja reconhecida entre pessoas do mesmo sexo é necessária uma mudança na Constituição, que ocorre pela aprovação de uma PEC. “Não é com um PL que vai se mudar uma Constituição”.
Ainda que o relator rebata acusações e afirme que, atualmente, as decisões do CNJ e do STF garantem apenas a união estável homoafetiva, sendo essa não prejudicada pelo PL 580/2007, na prática, críticos ao texto pedem direito ao casamento igualitário. Isto é: que pessoas do mesmo sexo possam se casar. A principal diferença entre a união estável e o casamento é que a união não altera o estado civil e não requer formalidade em cartório. Em publicação nas redes sociais, a deputada Erika Hilton justifica que o relatório do deputado Pastor Eurico tenta “definir o casamento como algo exclusivamente heterossexual”, mesmo sendo aprovado por mais da metade da população. “Não ficaremos em silêncio enquanto fundamentalistas tentam fazer de pessoas LGBTQIA+ saco de pancada em discursos e projetos feitos para chocar, atacar e alimentar o ódio que os move”, escreveu a parlamentar no X (antigo Twitter). Também contrária à proposta, a deputada Erika Kokay (PT-DF) classifica como “inadmissível” que a população tenha que enfrentar ameaças de retirar direitos. “Precisamos assegurar que todas as pessoas tenham direito de registrar as suas relações, que os casais homo tenham o direito de constituir famílias”, alega.
Na proposição inicial, de Clodovil Hernandes, foram apensados oito projetos de lei – de 2009 a 2021 –, sendo que sete deles também defendem a união estável, incluindo o Projeto de Lei 1.865/2011, que “possibilita a conversão da união estável em casamento civil”, embora não seja admitida nas situações de pessoas que realizaram troca de sexo por métodos cirúrgicos, o caso de transgêneros; o PL 5.120/2013, que também reconhece o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo; o PL 3.537/2015, PL 8.928/2017 e PL 5.962/2016, que também permitem a conversão da união estável em casamento; e o PL 4.004/2021, que adequa o Código Civil para permitir o casamento homoafetivo. Em contrapartida, também foi incluído o PL 5.167/2009, que baseia o voto do relator, e estabelece que “nenhuma relação entre pessoas do mesmo sexo pode equiparar-se ao casamento ou a entidade familiar”. A previsão é que aconteçam atos em defesa do casamento LGBTQIA+ nesta terça-feira, a partir das 11h, em frente ao Anexo II da Câmara Federal.