A história que estampou as manchetes dos jornais e sensibilizou Jundiaí e região, contada no dia 15 de agosto deste ano, sobre uma adolescente de 12 anos, que havia chegado a Jundiaí, vinda de Fortaleza, fugindo de uma casa de prostituição, não passou de uma grande farsa. A suposta vítima, na verdade, é uma mulher de 34 anos, que, segundo investigações da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Jundiaí, vem contando a mesma história mentirosa já há alguns anos em cidades de vários estados do país, para conseguir ser sustentada por pessoas sensibilizadas com seu ‘drama’.
Após ter sido desmascarada, a mulher foi indiciada por falsidade ideológica, uma vez que fez inserir em documentos públicos declarações falsas, com o fim de criar obrigação das instituições públicas. O inquérito policial, assim que finalizado, será remetido ao Ministério Público e ao Poder Judiciário para as providências pertinentes.
Por não se tratar de flagrante, ela foi liberada para responder pelo crime em liberdade. De acordo com a delegada da DDM, a mulher não havia desembarcado em Jundiaí, no dia dos fatos, vinda de Fortaleza, mas, sim, de São Paulo, onde também tentava aplicar golpes.
Consta no relato que as vítimas das mesmas práticas, quando cresciam, eram descartadas em forma de rituais de magia negra, e muitas vezes bebês eram sacrificados nesses rituais. A ‘adolescente’ informou, ainda, que um caminhoneiro a ajudou a fugir de Fortaleza e a deixou próximo à estação de trem de Jundiaí, onde encontrou com um desconhecido, com quem fez ‘programa sexual', em troca de local para dormir.
Diante disso, remeteu-se cópia do BO para a Delegacia de Fortaleza para apuração dos fatos ocorridos naquele município, enquanto que, em Jundiaí, a DDM passou a fazer diligências a fim de apurar suposto crime de estupro de vulnerável (com o desconhecido da estação de trem).
Os detetives da DDM foram até o Hospital Universitário (HU), onde teve o primeiro contato com ‘Ana Clara’, verificando que ela possuía um comportamento infantilizado, aparência depressiva e não queria conversar. A equipe verificou ainda, que ela tinha um porte físico grande para uma pessoa de 12 anos, e isso chamou a atenção, bem como o sotaque, que não parecia de alguém natural de Fortaleza. Também foram constatadas várias cicatrizes, porém ela não deixou que fossem realizados quaisquer exames, dizendo ter pânico de agulhas devido aos rituais satânicos.
Prosseguindo com a investigação, de posse da qualificação de ‘Ana Clara’, foram realizadas pesquisas nos sistemas policiais, inclusive em banco nacional de dados, que não constaram qualquer pessoa com o nome fornecido por ela, cujos pais fossem os mesmos igualmente por ela informados, o que levantou a hipótese de que tais dados fossem falsos. Começava, aí, a cair por terra todo o golpe.
DE VÍTIMA A SUSPEITA
Enquanto as investigações prosseguiam, a ‘adolescente’ foi acolhida, inicialmente pela Casa Transitória de Jundiaí, onde ficou por pouco tempo, até que pediu para sair, dizendo que as crianças de lá a faziam lembrar-se das crianças de Fortaleza, e por essa razão tinha pensamentos suicidas. Ela então foi transferida para o Caps Infanto-juvenil, onde passou a ter acompanhamento de perto e a receber cuidados específicos, pois se comportava de uma maneira muito introspectiva e se negava a fazer exames médicos.
No dia 19 de agosto os policiais foram ao Caps e coletaram as impressões digitais da, agora, suspeita, para proceder à sua identificação através do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt - Polícia Civil Sp (IIRGD), porém restou infrutífera, não constando sua identidade no banco de dado do Estado de São Paulo.
Na sequência, ela passou por perícia médica no Instituto Médico Legal (IML), onde constatou conjunção carnal não recente e cicatrizes pelo corpo. Em determinado momento ‘Ana Clara’ informou que, em decorrência dos rituais satânicos, possuía muitas agulhas pelo corpo, motivo pelo qual a equipe de investigação e o Caps a levaram ao HU para realização de Raio-X, o que resultou na confirmação de seu relato, uma vez que foram identificadas inúmeras agulhas por seu corpo. De posse do Raio X, uma médica elaborou laudo constatando que a idade óssea da ‘adolescente’ era compatível com 18 anos ou mais, segundo o método Greulich-Pyle.
Deste modo, e, devido a algumas incongruências apresentadas por ela, ao tipo de fala que ela apresentava e o raciocínio incompatível com uma pessoa de 12 anos, que teria vivido uma vida inteira em cárcere privado, a DDM passou a desconfiar de seus relatos e, em busca na internet, localizou-se uma matéria jornalística de 12 anos atrás, onde havia narrativa semelhante, de uma adolescente de 13 anos de idade que sofria as mesmas violências, que havia fugido de Fortaleza para Natal-RN, onde registrou ocorrência.
CONFISSÃO
Seguindo, a equipe da DDM conversou com ela e expôs que já tinha conhecimento de sua verdadeira identidade, ao passo que ela confessou que tinha o costume de fazer isso, porque, há doze anos, quando o fez pela primeira vez, as pessoas se comoveram e a ajudaram com comida, abrigo, roupas, alimentação, remédios, dinheiro, e que tudo começou quando foi abusada sexualmente por seu pai, na infância, e sua genitora não acreditou.
Contou, também, que as agulhas foram inseridas em seu corpo por ela própria, e que faz isso porque a dor física ameniza suas angústias. Ela confessou, ainda, 'que já passou pelos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, entre outros, sempre trocando de nome.
A historia foi descoberta com a ajuda das policias civis de Natal e Fortaleza.