Entre os potenciais indicados (veja ao final da matéria), Gavin Newsom seguiu Biden e oficializou apoio a Kamala, que começou a articulação política ainda ontem. Cinco horas depois do anúncio da desistência, o Partido Democrata tinha arrecadado US$ 27,5 milhões em doações, e dezenas de delegados da convenção divulgaram carta avalizando Harris.
Aos 81 anos, o presidente dos EUA resistiu por 24 dias às críticas e às desconfianças, depois do desempenho pífio no debate com o republicano Donald Trump. Por volta das 13h50 (14h50 em Brasília), Biden publicou uma carta, em seu perfil na rede social X, na qual anunciava o abandono dos planos de um novo mandato, em 5 de novembro. "Embora minha intenção tenha sido buscar a reeleição, acredito que é do melhor interesse do meu partido e do país que eu me retire e me concentre exclusivamente em cumprir meus deveres como presidente pelo restante do meu mandato", escreveu.
"Hoje, quero oferecer todo o meu apoio e endosso para que Kamala seja a indicada do nosso partido este ano. Democratas — é hora de nos unirmos para derrotar Trump", acrescentou, em outra mensagem, redigida em Rehoboth Beach, onde se recupera da covid-19. A reação de Trump não tardou. O magnata afirmou em sua rede social Truth Social que Biden foi "o pior presidente da história do país", e sua equipe garantiu que será mais fácil derrotar a vice-presidente.
"Estou honrada em ter o endosso do presidente e minha intenção é ganhar e vencer esta nomeação... Farei tudo ao meu alcance para unir o Partido Democrata — e unir nossa nação — para derrotar Donald Trump", prometeu Kamala, 59 anos, por meio de um comunicado. Ela elogiou o gesto "altruísta e patriótico" de Biden e sublinhou que o presidente coloca o povo americano e os EUA acima de tudo. Nos bastidores, a vice começou a trabalhar em prol de sua nomeação. De acordo com a emissora CNN, ela tem uma lista com 200 telefones de lideranças democratas com as quais espera contar com o aval.
Quase que imediatamente, a filha de imigrantes da Jamaica e da Índia recebeu o apoio estratégico do ex-presidente Bill Clinton e da esposa, Hillary. "Faremos de tudo para apoiá-la. Nada nos preocupa mais em nosso país do que a ameaça que representa um segundo mandato de Trump. Ele prometeu ser um ditador", alertaram. O também ex-presidente Barack Obama disse que Biden entra para a história como "um patriota do mais alto nível" e advertiu que os EUA "navegarão em águas desconhecidas nos próximos dias". No entanto, não declarou apoio tácito a Kamala.
Obama assegurou ter "extraordinária confiança" de que os líderes democratas serão capazes que criar um processo do qual surja "um candidato notável". "Joe entende melhor do que ninguém o que está em jogo — como tudo pelo que ele lutou ao longo de sua vida, e tudo o que o Partido Democrata representa, estará em risco se permitirmos que Donald Trump volte à Casa Branca e se dermos aos republicanos o controle do Congresso."
Professor de ciência política da Universidade de Iowa, Timothy Hagle admitiu ao Correio que, apesar da pressão à qual Biden estava submetido, causou um pouco de surpresa a sua decisão de se retirar da campanha. "O principal ponto foi a percepção de que ele não seria capaz de derrotar Trump, especialmente com o apoio entre os democratas minguando. Ao abandonar a disputa, Biden muda a dinâmica de campanha para ambos os partidos. É claro que afeta os democratas, pois terão que encontrar outro candidato, e o tempo é curto antes da convenção nacional."
De acordo com Hagle, os republicanos esperavam concorrer contra um Biden enfraquecido. "Sem ele, terão que esperar a escolha de outra pessoa, pelos democratas, para concentrarem atenção na campanha. Se a escolha for Kamala Harris, os republicanos terão uma vida um pouco mais fácil, pois se centrarão em criticá-la. Se a opção dos democratas for outra, o partido de Trump precisará de tempo para se preparar", acrescentou.
Hagle adverte que o apoio de Biden não implica a consolidação em torno do nome de Kamala. "Ela será provavelmente, uma candidata fraca, pois não provou seu valor ao concorrer à Presidência dos EUA e desistiu antes do caucus de Iowa. Também não tem se destacado enquanto vice. Kamala é mais liberal do que Biden; então, será um alvo fácil."
Eric Heberlig, cientista político da Universidade da Carolina do Norte, crê que Kamala "quase certamente" será a escolhida. "Oficialmente, os delegados da Convenção Nacional Democrata, em agosto, terão que votar para indicá-la. No entanto, líderes do partido, como Bill Clinton, a endossaram", disse à reportagem. Para o estudioso, não existe tempo para que outros candidatos organizem uma campanha presidencial. "Além disso, alguns dos nomes mais prováveis, como os governadores Gavin Newsom (Califórnia) e Gretchen Whitmer (Michigan), têm afirmado que não disputarão contra ela. Por isso, é mais plausível que Kamala seja a candidata natural."
"Uma das principais dúvidas sobre Biden era em relação à sua idade e habilidade mental. A retirada de Biden remove essa preocupação. A vice-presidente Kamala Harris ainda terá que defender o histórico do governo, mas não sofrerá preocupações sobre a sua capacidade de suportar os rigores do cargo durante quatro anos. Da mesma forma, se ela conseguir defender as políticas da Casa Branca e denunciar as fraquezas de Trump de forma mais eficaz do que Biden, isso daria aos democratas uma melhor oportunidade de persuadir os eleitores."
Kamala Harris, 59 anos
A vice-presidente Kamala Harris, que sucederia Joe Biden em caso de morte ou incapacidade, está muito bem posicionada para ser a escolhida dos democratas. Filha de pai jamaicano e mãe indiana, foi a primeira mulher e a primeira pessoa negra a se tornar procuradora-geral da Califórnia e, mais tarde, a primeira senadora com família de origem sul-asiática. Como procuradora, ela construiu uma reputação de severidade, que poderia ser lucrativa em uma campanha, principalmente em que questões relacionadas à criminalidade. O obstáculo para a escolha de seu nome são os índices de popularidade anêmicos, o que pode levar os democratas a escolherem outro candidato.
Gavin Newsom, 56 anos
O nome do governador da Califórnia, Gavin Newsom, também é bastante citado entre os democratas. Ex-prefeito de São Francosco, ele lidera há cinco anos o estado mais populoso do país, a Califórnia, que transformou em um santuário para o direito ao aborto. Ninguém duvida de suas ambições presidenciais. Nos últimos meses, o governador viajou extensivamente ao exterior, publicou anúncios desenfreados que elogiavam sua carreira e investiu milhões de dólares em um comitê de ação política.
Gretchen Whitmer, 52 anos
Outra possível candidata é a governadora do Michighan, Gretchen Whitmer. Ela arrasta, consigo, três eleitorados que os democratas tentam capturar: operários, afroamericanos e árabes. Opositora ferrenha de Donald Trump, Whitmer é conhecida por ter sido alvo de um plano de sequestro por uma milícia de extrema-direita. O fato de Michigan ser um dos estados-chave mais disputados nas eleições presidenciais de novembro é um forte argumento para a sua escolha.
Josh Shapiro, 51 anos
O governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, está à frente do maior "swing state", ou "estado pêndulo" — aquele que pode inclinar-se para um partido ou outro dependendo dos candidatos e de outros fatores. Esses estados desempenharão um papel decisivo nas eleições de novembro. Antes de assumir o cargo em 2022, derrotando um rival da direita radical apoiado por Donald Trump, este orador centrista foi eleito duas vezes procurador-geral da Pensilvânia.
Outros nomes
Também circulam os nomes dos governadores de Illinois, J.B. Pritzker; Maryland, Wes Moore; e Andy Beshear, do Kentucky, mas suas chances parecem mais limitadas. Também foram incluídos os da senadora Amy Klobuchar e do secretário de Transportes, Pete Buttigieg, ambos ex-candidatos presidenciais em 2020.