Tão nocivo quanto o vício em substâncias psicoativas, o vício em jogos dá recompensas ao cérebro e pode trazer uma série de prejuízos, seja sociais, de qualidade de vida ou até financeiros. Assim como outras dependências, o vício em jogos precisa de tratamento e as pessoas, nele, podem ter recaídas.
Preferindo não se identificar, uma mulher, de 23 anos, vem se recuperando do vício no jogo The Sims 4. Após um período em que jogava muitas horas por dia, percebeu que precisava do jogo e decidiu diminuir a "dose". "Eu percebi que estava viciada quando eu ficava mais de oito horas seguidas jogando. Às vezes eu começava a jogar às 8 horas e, quando parava, eram 23 horas. Jogava no vídeo game e no notebook, ficava intercalando."
Ela considera um vício semelhante ao de uma substância química, como o cigarro. "Reduzi por conta mesmo do tempo que jogava, mas com auxílio de terapia, pois o jogo me ajudava a regular a ansiedade. Eu ficava literalmente pensando em jogar o dia todo e foi difícil nos primeiros dez dias. Eu acabava ficando estressada, como se fosse um vício igual ao no cigarro. Tenho mais de 1 mil horas de jogo, mas agora estou jogando umas duas vezes por semana, por cerca de duas a três horas, no máximo. Ainda tenho muita vontade de jogar, mas me seguro", relata.
FINANÇAS
Além dos jogos comuns, há uma tendência de jogos de apostas, que funcionam como cassinos on-line. Neste tipo de jogo, além do vício em si, há o impacto financeiro que causa, pois as apostas são feitas com dinheiro, depositado na plataforma pelos usuários.
Também preferindo não se identificar, uma mulher de 32 anos, que ainda se recupera emocional e financeiramente de jogos de azar para celular, conta que foram dois anos complicados enquanto esteve viciada no jogo. "Conheci o cassino virtual através de um youtuber muito famoso e eu via seus ganhos. Então, um dia, recebi meu pagamento do trabalho que tinha na época e reservei um valor que era o necessário para o deposito mínimo no jogo. O valor era de R$ 40 e parece pouco, um valor inofensivo para o orçamento. Fiz meu cadastro e a plataforma oferece uma enorme variedade de jogos, é um verdadeiro cassino virtual. Encontrei um jogo e comecei a jogar, joguei por duas semanas e cheguei a ganhar o valor de R$ 900."
Ela forneceu os dados à plataforma para sacar o dinheiro e, com os ganhos em mãos, viu no jogo uma oportunidade de fazer uma renda extra, mas não foi bem assim. "O algorítimo do jogo vai fazer com que novos usuários sempre ganhem, induzindo o jogador a apostar mais e mais. Comecei a jogar mais e me vi em um ponto que eu estava sempre on-line fazendo apostas, esperando recompensas por subir de nível. Comprometi meu salário, que era usado para o aluguel, fiz dívidas, quase perdi meu casamento, quase passei necessidade, porque tudo virou uma bola de neve. Hoje, se eu pudesse, nunca nem teria entrado nesse tipo de jogo. O próprio nome diz, são jogos de azar, em que a banca sempre vence. Só que você acaba jogando para tentar recuperar o que perdeu e nisso você sempre vai perdendo mais e mais", conta.
MENTE
Psicólogo clínico, Carlos Eduardo Speglic conta que, no cérebro, o jogo tem uma ação similar à de substâncias químicas. "Assim como no abuso de outras substâncias psicoativas, como por exemplo a cocaína, o neurotransmissor liberado nas sinapses é a dopamina. Ela é responsável pela sensação de prazer e bem-estar. Este sistema cerebral é conhecido como sistema de recompensa e está presente também nas compulsões alimentares e sexual", explica.
Carlos diz que para ambos os tipos de jogos, tanto os que não envolvem gastos quanto os que envolvem, é necessário tratamento e pode haver recaídas. "O tratamento não é diferente, pois, para muitas pessoas, o jogo compulsivo sem o gasto do dinheiro pode representar a primeira fase do problema. Essas pessoas correm o risco de evoluir para os gastos financeiros com compras e endividamentos. É válido ressaltar que aquela pessoa que começou a ser compulsiva em jogar já está dispondo de bastante tempo para tal, gerando prejuízos, inclusive financeiro, pois essas pessoas podem se atrasar para o trabalho ou até mesmo faltar no mesmo, gerando risco de demissão, por exemplo. Inclusive, uma pessoa identificada como uma potencial jogadora compulsiva tem mais chances de colher bons resultados no tratamento ao iniciá-lo 'precocemente'."
O psicólogo também lembra que, quando o jogo não envolve gastos e apostas, é igualmente danoso a quem se vicia. "O prejuízo é o próprio 'aprisionamento' no comportamento, independentemente das consequências financeiras, levando a pessoa acometida deste transtorno a abandonar atividades que outrora praticava. Ela poderá sofrer até mesmo de crise de abstinência, quando se esforça para não jogar. Muitos chegam ao isolamento social, o que afeta a autoestima a curto ou médio prazo."